Solenidade de Nossa Senhora da Conceição Aparecida

Estamos diante de uma das Solenidades mais queridas pelo nosso povo brasileiro: a Solenidade da Mãe Aparecida. Encontrada, portanto, “Aparecida”, nas águas do Rio Paraíba do Sul, em 1773, a imagem de Nossa Senhora da Conceição logo alcançou grande veneração por parte dos fieis de nossa nação e hoje seu santuário, carinhosamente chamado de “Casa da Mãe”, é, sem dúvida, a “casa dos filhos”, dos filhos de Deus de todas as classes que chegam dos vários lugares desta terra vasta e querida para ali adorar o Cristo e prestar um culto filial à Sua e Nossa Mãe Aparecida.

É sempre importante relembrar que, ao celebrarmos a Solenidade da Virgem Maria, outra coisa não estamos fazendo que celebrar o Mistério Pascal de Cristo na vida da mesma Virgem. Mais ainda, convém que nos recordemos que Maria é modelo para os fieis. Por isso, ao celebrarmos sua memória, festa ou solenidade, devemos não somente contar com sua intercessão, mas também imitar seus exemplos que nos ajudam a ser verdadeiros discípulos de Jesus Cristo, Nosso Senhor.

A segunda leitura nos coloca em contato com esta realidade da qual falamos acima: Maria, modelo da Igreja. O texto de Apocalipse 12 sempre foi lido como sendo uma imagem da Igreja e, também, da Virgem Maria. Hoje ouvimos alguns fragmentos deste capítulo. A leitura começa mostrando o descortinar-se no céu de um grande “sinal”. O sinal é a “mulher”, vestida de sol, apoiada sobre a lua e coroada de “doze” estrelas, número que nos remete seja às doze tribos de Israel, seja aos doze apóstolos, fundamento do nosso Israel, da Igreja do Senhor.

Essa “Mulher vestida de sol”, dá à luz um filho. Esse filho que deve “governar as nações” é levado para junto de Deus e do seu trono. Mais uma vez essa imagem nos remete a Maria e, também, à Igreja. Maria dá à luz o Cristo, o filho de Deus, que após sua ressurreição sobe para junto de Seu Pai e, de lá, nos envia o Espírito Santo. A Igreja, a comunidade dos fieis, também tem a missão de gerar, no mundo, o Cristo: através da pregação e do testemunho de vida.

A mulher perseguida e protegida por Deus é Maria. É também a Igreja. Perseguida no mundo por aqueles que não se abrem à luz do Cristo, mas protegida por Deus, que sempre a guarda, fazendo com que “as portas do inferno nunca prevaleçam contra ela” (cf. Mt 16,18).

A intercessão de Maria pelos crentes nos é apresentada tanto de maneira prefigurada, na primeira leitura, quanto realizada, no Evangelho das Bodas de Caná.

A primeira leitura e, aliás, também o Salmo, nos falam de uma “princesa real”. O Salmo 44 canta a vocação daquela que deixa seu povo e a casa paterna para tornar-se rainha. A primeira leitura nos leva a olhar para Ester, aquela que deixa seu povo e, alcançando as boas graças do rei, torna-se rainha. Num momento de grande desgraça, Ester se vale da sua condição de rainha para interceder pelo seu povo. Ester não se vale da proteção que lhe davam as paredes do palácio. Ela também não nega as suas origens. Ao contrário, se expõe também ela à morte ao apresentar-se diante do rei, sem ser chamada, com a única finalidade de interceder pelo seu povo. A atitude da rainha, previamente acompanhada pela sua oração e jejum, sinais da sua confiança única e inabalável no Deus de Israel, faz com que a sorte do povo seja modificada.

Também Maria é a Rainha. Cremos que ela, Maria, foi coroada no céu pelo seu Filho. Junto d’Ele ela intercede por nós. Junto da Trindade, ocupando o lugar mais excelso que uma criatura poderia ocupar nos céus, Maria não se esquece que é uma “de nós”, no sentido de que compartilha conosco da mesma humanidade. Ela foi preservada do pecado original, mas não é o pecado original que nos torna humanos ou cria comunhão entre nós. O que nos torna “humanos” e cria “comunhão entre nós” é o fato de termos sido todos criados à imagem e semelhança de Deus. E nisso somos semelhantes a Maria. Ela compartilha o destino do seu povo e intercede por nós, para que tenhamos vida, como disse a Rainha Ester ao Rei: “Se ganhei as tuas boas graças, ó rei, e se for do teu agrado, concede-me a vida – eis o meu pedido! – e a vida do meu povo – eis o meu desejo!” (cf. Est 7,3).

O Evangelho é o coração de toda a liturgia da Palavra. É a luz dele que relemos o Antigo Testamento e, descobrimos então neste vasto universo, o mistério de Cristo.

 

Propomos a seguinte estrutura para podermos explicar o evangelho deste domingo:

vv. 1-2: Introdução

vv. 3-5: Diálogo entre Jesus e Maria

vv. 6-9: O relato do milagre

vv. 10: Diálogo entre o mordomo e os noivos

v. 11: Conclusão

 

Os vv. 1-2 introduzem a cena falando de um casamento em Caná, na Galiléia. Nesse casamento está presente sua mãe. Logo em seguida o narrador nos diz que Jesus e seus discípulos também haviam sido convidados. O primeiro “sinal” de Jesus, que é a forma como João classifica os seus “milagres”, se realiza, assim, na Galiléia.

Os vv. 3-5 nos apresentam um diálogo entre Jesus e Maria. No v. 3 Maria apresenta a Jesus a situação: Eles não têm mais vinho. Muitos estudiosos apresentam explicações diferentes para esta frase de Maria. Fato é que ela nos demonstra que Maria parece esperar que, diante de uma situação difícil, Jesus realize algo, algo que modifique aquela situação.

A resposta de Jesus, traduzida de muitas maneiras nas línguas modernas, causa muita dissensão. A primeira diz respeito ao fato de Jesus chamar Maria de “mulher”. Alguns exegetas quiseram ver nisso um distanciamento entre os dois proposto pelo próprio Jesus. Isso não parece verossímil. Podemos ver que no final do evangelho, em Jo 19,26, Jesus faz novamente chamar Maria de “mulher”, num amoroso gesto onde Ele à confia ao “discípulo amado”. O chamar Maria de “mulher” aqui exalta a sua dignidade. A continuação da frase, todavia, é objeto de algumas controvérsias. A expressão grega utilizada por Jesus é tí emoi kai soi . Como podemos ver não há verbo, é o que chamamos de uma “oração nominal”. Poderíamos traduzir para o português acrescentando, a fim de que esta frase faça sentido em nossa língua, o verbo ser: O que é (isto) para mim e para ti? Algumas traduções trazem: “Por que dizes isto a mim?” e outras, querendo enfatizar uma distância entre Jesus e Maria, sobretudo as traduções oriundas do meio protestante, trazem: “O que há entre mim e ti?” A frase original, todavia, bem traduzida, deveria ser posta como falamos acima: O que é (isto) para mim e para ti?

Alguns autores vêem nessa frase grega um eco ao hebraico Ma li walak. Essa expressão que, traduzida, significa literalmente O que é isto para mim e para ti?, aparece, de fato, algumas vezes na Escritura do Antigo Testamento para indicar uma divergência de opiniões ou uma reação diante de algo que parece desagradável, como vemos em 1Rs 17,18, quando a viúva de Sarepta, na Sidônia, pergunta ao profeta O que há entre mim e ti, homem de Deus?, quando da morte de seu filho que será, em seguida, ressuscitado por Elias, o profeta. Todavia, poderíamos entender a frase também em outros sentidos, principalmente alinhando a frase com o que Jesus diz logo em seguida: A minha hora ainda não chegou. Jesus espera a sua “hora”. Esta, quando revelada pelo Pai, será o ponto de partida para que Jesus comece a realizar os seus “sinais”.

Maria parece compreender bem a palavra de Jesus, porque ela mesma vai dizer aos funcionários: Fazei tudo o que Ele vos disser. Em todo o Evangelho essa parece ser a mais significativa frase da Virgem Maria. Ela nos projeta para o Cristo e nos faz olhar para Ele, ouvindo e guardando em nosso coração a Sua Palavra, como ela mesmo o fez de maneira perfeita.

Abre-se, então, a terceira parte da perícope: a realização do milagre. Jesus dá uma ordem à qual os serviçais obedecem prontamente. Eles enchem as talhas, seis, com 100 litros cada, e as levam ao mestre sala. Este, ao provar a água, percebe que se trata de um vinho melhor, muito melhor do que até então vinha sendo servido.

As últimas duas partes da perícope nos trazem respectivamente o diálogo entre o mestre sala e os noivos e a conclusão, que nos mostra que o início (arché) dos sinais (semeia) de Jesus se deu ali, em Caná. A conclusão se reveste de uma particular importância porque ela nos revela que, a partir deste sinal, a “glória” de Jesus se manifestou e seus discípulos “creram” nele. O milagre serve, assim, para suscitar a fé.

Esta perícope resume para nós a história da salvação. O vinho primeiro pode ser entendido como a primeira aliança. Este era bom, mas ainda imperfeito, uma vez que a primeira aliança era sinal e prefiguração de uma aliança melhor, àquela que deveria se realizar em Cristo. O vinho novo, que causa a admiração do mestre-sala, é a Nova Aliança, a que Cristo nos traz, e que supera infinitamente a antiga. Aliás, convém lembrar que muitas vezes no Antigo Testamento o vinho, sinal de alegria e prosperidade (cf. Sl 104,15), aparece ligado ao festim escatológico (cf. Am 9,13; Is 25,6 etc), que aqui é inaugurado por Cristo nas Bodas de Caná.

Em se tratando da celebração da Eucaristia, contexto no qual este texto é lido hoje, convém ressaltar a ligação desta imagem do vinho novo com a Eucaristia. A Eucaristia é antecipação do festim que será realizado nos céus. Ela é a renovação constante do banquete messiânico inaugurado por Cristo na última ceia e que é, de certa forma, prenunciado nesta perícope. O vinho novo da alegria é o Sangue de Cristo, dado a nós para que tenhamos vida em abundância.

Por fim, como este texto está sendo utilizado dentro de uma Solenidade Mariana, convém ressaltar em que ele nos ajuda a olhar para Maria, modelo da Igreja. Talvez o ponto mais importante seja a frase que ela, a Virgem, dirige aos serviçais: Fazei tudo o que Ele vos disser. Essa frase resume um programa de vida, que tem como escopo obedecer unicamente ao Cristo, Senhor e Juiz da história, Senhor e juiz das nossas vidas.

 

Solenidade de Nossa Senhora da Conceição Aparecida

12.10.2014

Est 5,1b-2; 7,2b-3

Sl 44 (45)

Ap 12,1.5.13a.15-16a

Jo 2,1-11

 

Fonte: http://arqrio.org/formacao/detalhes/565/solenidade-de-nossa-senhora-da-conceicao-aparecida